TROCO NOS AUTOCARROS: UM DIREITO OU DEVER DOS PASSAGEIROS?

As queixas dos passageiros de autocarro sobre a falta de troco exacto e o tratamento dos condutores têm sido uma ocorrência comum. No contexto do Dia Mundial dos Direitos do Consumidor, a questão dos direitos e a protecção dos consumidores nesse ambiente de transporte público surge como um tema candente. Afinal é responsabilidade do passageiro pagar a tarifa com o valor exato ou da empresa garantir sempre o troco disponível?

Para aqueles que não têm passe, ou o cartão recarregável, cada viagem custa 43 escudos. Os passageiros, entretanto, pagam frequentemente com cinquenta escudos e recebem troco insuficiente, seja dois escudos a menos, sete escudos e assim por diante.

Conforme relatam ao Expresso das Ilhas, quando os passageiros apresentam uma nota de mil escudos, são surpreendidos com a falta de troco, resultando na impossibilidade de realizar a viagem.

É o caso de Nélida Sousa, moradora de Safende, que apanha o autocarro todos os dias para ir trabalhar no Plateau e regressar a casa.

“Às vezes consigo ter na carteira o valor exacto do bilhete, mas nem sempre consigo essa proeza de não precisar do troco do condutor. E quando não consigo trocar o dinheiro, recebo, de troco, menos dois escudos e às vezes menos sete escudos”, diz.

A situação relatada por Nélida não é única. Muitos passageiros enfrentam a mesma dificuldade diariamente, conforme relata.

“Dou cinquenta escudos e nem cinco escudos às vezes têm para me passar. E isso acontece todos os dias”, lamenta.

A falta de troco não apenas causa transtornos aos passageiros, mas também gera conflitos com os condutores. “Às vezes brigo e exijo o meu troco, mas há casos em que é nítido que o condutor não tem troco. “Mas, quando eu tenho dinheiro a menos para pagar, nunca me deixam fazer a viagem”, conta.

Nélida afirma que já foi impedida de entrar no autocarro por falta de troco, mesmo estando atrasada para o trabalho.

“Houve uma vez em que eu tinha uma nota de mil escudos e o condutor não me deixou entrar para vir trabalhar porque não tinha troco”.

A falta de um sistema de reclamações nos autocarros também é um ponto de preocupação para esta entrevistada. “Não há livro de reclamação nos autocarros, mas se tivesse, eu faria a queixa. Há muitos aspectos que precisam ser melhorados no autocarro, e o primeiro é a questão da falta de troco”, considera.

Nélida Sousa acredita que a responsabilidade pelo troco deve recair sobre os condutores e a empresa de transporte.

“Eles podem ficar com sete ou dois escudos do utente, mas não aceitam receber menos um escudo. A obrigação do troco é de quem presta o serviço”, sublinha.

Conflitos

Eline Alves, uma utente frequente dos transportes públicos, expressou a sua frustração relativamente ao problema do troco, destacando a falta de resolução por parte das autoridades competentes.

“Não acontece comigo porque tenho passe, mas, todos os dias, testemunho casos de passageiros que discutem com os condutores pelo troco”, comenta.

A jovem relembra um incidente em particular, envolvendo uma senhora confrontada pelo motorista para trocar uma nota antes de embarcar no veículo. “Tiveram um conflito porque a senhora não queria descer, esta estava com pressa para ir ao seu destino e o condutor não tinha troco, mandou-a descer para trocar o dinheiro”, acrescenta.

Ao contrário de Nélida que defende que a obrigação do troco recai sobre o prestador de serviços, Eline Alves diz-se incerta sobre quem deve ter o dinheiro trocado.

“Não tenho a certeza, mas pelo que oiço dizer, a lei diz que o passageiro é quem deve ter o troco, já que se trata de uma empresa privada que presta um serviço público”, aponta.

Apesar de não ter motivo para reclamar do troco, Alves mostra-se incomodada com o tratamento dispensado pelos condutores aos passageiros.

“Muitos condutores tratam mal os passageiros e a forma como falam com as pessoas deixa muito a desejar”, reclama.

Contudo, ressalta a falta de reclamações formais por parte dos passageiros, sugerindo que muitos evitam fazê-lo devido à cultura local de não exigir os direitos.

“Se todos fizessem uma reclamação formal, não apenas os condutores seriam os alvos, mas também as senhoras que fazem a recarga do passe da empresa. Estão sempre amuadas e falam mal com os clientes”, observa.

Incumprimento dos horários

Aline, uma passageira regular do percurso entre Eugénio Lima e Plateau, também expressou a sua frustração com os problemas enfrentados diariamente no transporte público da cidade da Praia.

“Todos os dias acontece um ou outro conflito entre os passageiros e os condutores devido à questão do troco. Normalmente, quando o passageiro paga pelo bilhete, não recebe o troco completo, sempre faltam dois escudos ou mais”, refere.

Além dos problemas com o troco, Aline diz que os passageiros também enfrentam dificuldades quando precisam de um valor específico para pagar a passagem. “Quando o passageiro tem em falta um escudo, reclamam e não deixam fazer a viagem. Também acontece o caso de o passageiro ter notas, por exemplo, de mil escudos ou até quinhentos, e o condutor não deixar seguir viagem porque não tem troco”, critica.

“Eu não acho que isso seja correcto porque sabem que têm de passar o troco. Penso que os condutores devem, no início do dia, arranjar troco para que quando as pessoas forem entrar no autocarro tenham o troco disponível. A empresa deve estar preparada para passar o troco. Já que é uma empresa e trabalha com dinheiro, tem de ter troco disponível a qualquer hora do dia”, defende.

Aline queixa-se da “má conduta” de alguns condutores relativamente ao tratamento dispensado aos passageiros. “Alguns, sem querer generalizar, tratam as pessoas mal”, afirma.

Esta passageira também reprova o facto de muitas vezes ter de esperar 20 ou 30 minutos por um autocarro, enquanto outras vezes chegam dois ao mesmo tempo à paragem, demonstrando “falta de coordenação”.

Sobre a falta de formalização de reclamações, Aline sugeriu que o medo pode ser um factor significativo.

“As pessoas não formalizam as reclamações, que eu sei que são muitas, por medo, é o que eu penso”, reflecte. “É preciso melhorar muitos aspectos, troco, horário, coordenação, atendimento ao público, tudo”, ela enfatizou. “Embora, às vezes, os passageiros exagerem”.

Superlotação

“Apanho o autocarro todos os dias na Fazenda para vir ao Plateau. Comigo já aconteceu os condutores ficarem com o meu troco. Numa semana, contei, e ficaram com 48 escudos meus, no trajecto Fazenda-Terra Branca para ir trabalhar alegando que não tinham um escudo ou dois para passar”, relata Tairine.

Além da falta de troco, Tairine reclama a falta de cortesia por parte de alguns condutores.

“Há uns que são mal-educados, falam mal com os passageiros. Uma vez fui com o meu filho fazer uma consulta no Centro de Saúde em Ponta d’Água e o condutor desceu, foi sentar num bar para comer e os passageiros foram obrigados a esperar, no chão, até que ele terminasse e ainda com desaforo a falar mal com quem reclamou a demora”, narra.

“Tanto o passageiro como o condutor devem ter disponível o dinheiro trocado, mas se o passageiro não tiver o condutor não pode impedi-lo de fazer a viagem. Mas, a empresa deve procurar o conforto de todos os tipos de passageiros”, explica Tairine.

A entrevistada também se mostra preocupada com o conforto dos passageiros, particularmente.

“Há a questão das catracas e dos bancos que são pequenos, e para quem tem um peso mais do que a maioria, como o meu caso, quando sentamos de dois, sentimos vergonha porque tomamos quase dois bancos e a outra pessoa fica apertada”, explana.

Finalmente, Tairine alerta para os riscos de superlotação nos autocarros. “Outra coisa que considero importante é parar de encher demais o autocarro, é muito perigoso e temos que lidar com pessoas que tentam roubar-nos”.

ADECO esclarece direitos dos passageiros nos transportes públicos

Em declarações ao Expresso das Ilhas, por e-mail, a presidente da Associação para Defesa do Consumidor (ADECO), Eva Marques, enfatiza que os consumidores têm o direito de exigir o troco adequado e de solicitar um comprovativo de pagamento que demonstre o valor pago.

“A ADECO não está de acordo com a solução de não permitir a viagem do consumidor, por este possuir notas e não moedas. Contudo, não existe uma legislação específica sobre este assunto e a ADECO solicita o bom senso do consumidor e do prestador de serviço”, diz.

Ao consumidor, a associação aconselha que somente use uma nota de grande valor quando não tem moedas ou quando não conseguiu trocá-la. Ao prestador de serviço, aconselha-se que tenha um fundo para estes casos e que invista em soluções como bilhetes ou cartões pré-pago.

No entanto, a ADECO observa que, se um consumidor for impedido de viajar por possuir notas ao invés de moedas, tem o direito de solicitar uma solução alternativa e de reclamar junto da entidade responsável pelo transporte público.

Para orientar os consumidores sobre como proceder nessas situações, a ADECO orienta informar o motorista sobre a situação e solicitar o troco correcto ou uma solução alternativa para efectuar o pagamento.

Registar uma reclamação por escrito junto da empresa responsável pelo transporte público, descrevendo detalhadamente o ocorrido e solicitando uma resolução adequada, é outra alternativa.

Se necessário, contactar a Agência Reguladora Multissectorial da Economia (ARME), autoridade competente em matéria de proteção dos direitos dos consumidores.

Segundo Eva Marques, a ADECO não tem recebido formalmente reclamações relacionadas com o troco. Entretanto, frisa, que a associação tem tomado conhecimento através das redes sociais e por vezes consumidores telefonam para saber como proceder em tal situação.

O desrespeito aos passageiros com deficiência, segundo a ADECO, são uma das reclamações que a instituição tem recebido. A situação do troco incorrecto na Praia é também recorrente em São Vicente, conforme revela.

“Ao reportar problemas mediante queixas formais, os consumidores contribuem para a melhoria contínua dos serviços e produtos, ajudando a prevenir situações semelhantes no futuro”, afirma Eva Marques.

A Associação para Defesa do Consumidor encoraja a apresentação de queixas formais sempre que necessário. A presidente, Eva Marques, ressalta que é fundamental para os consumidores exercerem os seus direitos e contribuírem para a defesa dos interesses dos consumidores em geral.

“As queixas formais criam pressão sobre as empresas para resolverem os problemas e prestarem um serviço de qualidade. A empresa tem a obrigação de responder à queixa e tentar resolver a situação de forma satisfatória”, finaliza.

Fonte: Expressos das Ilhas // Ad: Redação Tiver

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